Wednesday, April 6, 2011

03h00



Esta, é a minha carta para ti.
As minhas melhores palavras de hoje.
O meu melhor.
As minhas saudades.
As lembranças todas.
Do teu sorriso que me tirou das trevas. Da forma como enfrentas os problemas.
Como fazes deles coisas menores.
Foste tu quem me carregou nos braços.
Eu não fazia ideia do que era isso, de correr por prazer.
Ser feliz todos os dias.
Naquele canto escondido de Lisboa.
Aquele péssimo sofá, e a cama de corpo e meio, onde o meio não poderia ter o meu tamanho.
As minhas mãos perto das tuas, quentes como tudo.
Os meus pés, frios e com falta de espaço, com aquelas meias horríveis que tu tanto detestavas.
A torneira da cozinha, que chorava durante a noite.
Um mundo que desabava todos os dias, e tu ali.
À minha espera para jantar.
Dizias-me que o amor vence tudo. E eu ia acreditando.
Nos dias perfeitos.
Na felicidade que caiu do céu.
Escolhermos as minhas gravatas juntos, sem concordar numa que seja.
Rir muito. Fazer pouco dos outros.
Os "fantasmas" como lhes chamavas.
"O amor deles tem demasiadas regras".
A cor dos teus lábios.
O pingo de gelado no teu nariz, que eu limpava com o meu dedo.
A tua mão no bolso do meu casado.
Os filmes horríveis que escolhíamos à sorte. Os discos que me oferecias sem ouvir primeiro.
"Mas a capa era tão bonita!" .
As tuas posses ao espelho, com a minha camisola vestida.
E sobretudo sem ela.
O teu vestido azul escuro.
As tuas saudades. Os vizinhos que nos mandavam parar com o barulho.
A tua t-shirt dos Kiss.
Os teus olhos. Morria e matava pelos teus olhos.
O teu sorriso do outro lado da rua à espera que ficasse verde.
As minhas palavras de hoje são, como sempre, tuas.

E farás delas o que entenderes.

Sunday, February 20, 2011

Sedoxil


Perder alguém de quem se gosta dói muito.
Dói sempre.
É uma janela que fechaste para sempre,e não há copo ou companhia que mude isso.
Tens os teus amigos, tens o teu trabalho, e tens o tempo claro, que esperas que cure tudo.
E que por vezes cura.
Perder alguém de quem se gosta é uma merda.
Um vazio incrível. Um mundo de sonhos e planos que te escapam por entre os braços.
A sensação que nos perdemos a nós próprios. Um medo imenso.
Saudades, claro.
E recordações que também são feridas.
Vidros partidos espalhados por todo o lado.
Perder alguém de quem se gosta é todo um mundo novo.
Cinzento. Triste.
Um silêncio assustador.
Um ferro que te encostam ao peito, enquanto te arrancam da carne a pessoa que foste durante todos estes anos.
E com essa pessoa, a outra. A que julgavas ter por perto o resto da tua vida.
Perder alguém de quem se gosta é aprender a caminhar de novo.
Devagar e a medo.
Um dor que se disfarça mal.
Podes vingar-te na bebida ou nos prazeres que abdicaste ao longo destes anos.
Estudas música, viajas muito, compras um fato novo.
Continuas a perder peso, e paciência para as pessoas.
Não queres estar parado.
Gastas dinheiro de forma inútil, exageras no exercício físico.
Manténs-te sempre ocupado.
Até que um dia, ao sair de casa, vais esquecer-te da tal janela aberta.
Deixar que a vida, aos poucos, te entre pelo quarto.
O mundo vai perdendo os tons de cinzento.
E levará com ele todo aquele silêncio.
Terás o quarto e o coração cheio de pessoas.
Aquelas que sempre estiveram por perto.
E as que, pouco a pouco, te entraram pela janela dentro.

Friday, February 4, 2011

Plus d'une erreur


Não faz qualquer sentido.
Porquê eu? Não posso ser eu.
Como não sabe explicar?
Tem de saber explicar.
Ter-me escolhido foi para além do seu maior erro, a coisa mais bonita que me aconteceu na vida.
Sempre falhei demasiado. Desde miúdo.
Nunca marquei golos e era sempre o primeiro a ser encontrado.
“1,2,3 este nunca salva ninguém".
Médio na escola,
demasiado distraído,
o último da fila no bate-pé.
Os bolsos sempre cheios de sonhos.
Tenho um carro velho.
Uma máquina que faz um café horrível.
Gosto de coisas que nem te interessam.
Não faço a barba,
não passo calças a ferro,
detesto musicais.
Detesto pesca também,
e o teu pai odeia-me por isso.
Sei que foi ele que me deitou o livro ao rio.
“Poesia não enche o peito a ninguém!”
Tenho um emprego vulgar,
pernas demasiado estreitas,
e sou, sem dúvida, o mais feio dos meus amigos.
Sou terrível com datas,
não conheço ninguém famoso,
nunca fui a Nova Yorke,
fico cheio de sal no nariz quando como as batatas do pacote.
Sou péssimo a demonstrar ciúmes,
nunca adivinho o teu perfume,
bebo água directamente do jarro,
e passo a vida a esquecer-me de dizer o quão linda estás de manhã.
Não vou ser promovido em breve, e tu não queres nem saber.
Não te importa o que bebo ou tomo.
Carregas-me sempre sobre esses teus ombros pequenos, seja qual for o destino.
E ao deitar, se estou cansado e adormeço enquanto me contas como foi o teu dia, tu sorris.
Sorris sempre.



E guardas as tuas histórias para amanhã.

Wednesday, January 26, 2011

26 / 01 / 2011


Escrever, escrever, escrever.
Escrever por escrever.
E apenas por ter escrito.
Escrever para que saibas que escrevi.
Que ainda guardo em mim palavras tuas.
Escrever escrever escrever.
Escrever sem parar.
Escrever para sempre.
No papel e sobre a carne.
De dia e de noite.
Para o mundo e para o bolso.
Para o inferno onde me deixaste.
Escrever de medo e de fome.
E ter sempre fome de escrever mais.
Escrever,escrever,escrever.
Sobre todos os teus passos.
E os meus, quando andava por perto.
Escrever escrevendo.
Escrever sonhando.
Escrever, escrever, escrever.
É o que a vida quis para mim.
E só.
Escrever por mim e escrever por ti,que me deixaste a escrever sozinho.
Escrever,escrever,escrever.
E encontrar-te um dia destes.

Numa folha qualquer.

Sunday, January 23, 2011


Gostar dela e querer tê-la por perto para sempre.
Oferecer-lhe presentes.
Tornar cada dia diferente.
Envelhecermos juntos.
Cozinhar para ela.
Provar a sua tarte horrível vezes sem conta e dizer sempre que está óptima.
Bebermos vinho tinto até cair para o chão e, cheios de lama na roupa, trocar alianças ou abraços.
Ser amigo. Ser parceiro.
Contar-lhe sempre a verdade.
Que não era o mais forte da escola e que me fartei de levar pancada quando queria impressionar as miúdas.
Contar-lhe todos os meus segredos e mostrar-lhe as minhas cicatrizes.
Comprar um enorme sofá vermelho e fotografá-la nele vezes sem conta.
Guardar o seu sorriso no peito e levá-lo todos os dias para o trabalho.
Dizer que a sua pele continua perfeita ao fim de tantos anos.
Usar o meu melhor fato quando vamos ao teatro. Sorrir para a senhora da bilheteira só para a ver com ciúmes.
Vê-la a acenar da janela quando enfrento o frio cá fora, e provo que ainda sou um gajo forte.
Conhecer de norte a sul o seu corpo, e perder-me por lá.
Vezes sem conta. Propositadamente.
Fazer das mãos dela as minhas, e encostá-las ao meu peito.
Dizer-lhe que vou, mas volto.
Com o seu sorriso à minha espera.

Wednesday, January 19, 2011


Não funcionou.
Não tinha como. Foi muita coisa.
Não falo dos anos, esses passaram por nós a correr e da forma mais prazerosa possível.
Não funcionou, não tinha como, e agora estou aqui sozinho neste quarto do tamanho do mundo.
Não mudei nada. Esperei que o tempo tratasse de tudo.
Não tratou, claro.
Eu, continuo igual. Com tudo aquilo que tu odeias.
Não aprendi a estrelar ovos nem a cortar a relva.
Continuo a andar em casa em cuecas, e a exagerar no ketchup .
Continuo a escolher as gravatas erradas de manhã, e a chamar nomes às pessoas no trânsito.
Continuo a fumar muito. Na cozinha também.
O chão do estúdio continua cheio de livros. Os discos que o teu irmão me emprestou e que nunca mais devolvi.
O pior é mesmo a roupa.
Passar a ferro é difícil . As calças basta sacudir, mas as camisas...
Estar sozinho não é mau.
Voltei a usar o meu casaco de cabedal, que tentaste esconder no fundo do caixote duas vezes .
Esse mesmo.
Não vejo novelas nem como bróculos.
Os domingos deixaram de ter manhãs.
O quarto para além de maior, deixou de cheirar a Zara.
E a insenso.
Estar sozinho não é mau. O pior é ver-te.
A ti e ao gajo que te traz pendurada no braço, e que o usa o outro para me acenar.
O filho da puta.
Que o que sinta por ti seja do tamanho da sua cabeça.
Que cabeça.
É lá que arrumam os carros quando chegam do trabalho?
Os dois juntinhos.
Claro que sinto a tua falta. Como não sentir?
A tua e a do estúpido do cão.
O cabeças trata bem do cão? Espero que sim .
No outro dia estive na Dona Maria...
Não está melhor. Vê muito pouco.
Perguntou por ti claro. Não quis entrar em detalhes.
Vou sentir a falta dela...
Lembras-te a quantidade de coisas que nos oferecia quando começámos a viver juntos?
Aquelas empadas deliciosas... o pão, os bolinhos com o café.
Quando digo que nada mudou, falo disso também.
Ando pelos mesmos sítios...
O “teu” café, o “teu” jardim”, lembras-te?
Disseste que tinha a maior pinta de sacana do mundo mas que te tinhas apaixonado por mim.
“Agora não há volta a dar!” , disseste.
Eu tinha bebido muito. E tinha vestido o tal casaco que odiavas.
“Pareces um desgraçado” .
Tinhas uma trança no cabelo não tinhas? Tenho quase a certeza.
O teu cabelo era tão claro como agora.
E o sorriso. Enorme.
As tuas mãos, que rapidamente se tornavam as minhas.
E o teu coração, que tantas vezes foi o meu.
E onde hoje não estou.

Sunday, January 16, 2011


Medo. Medo e palavras.
Demasiadas palavras. Palavras que cheguem para os dois.
Entre nós o Universo. Os “ses” que a levaram dos meus braços.
Da janela do meu quarto, aquele sorriso imenso de quem faz pouco do mundo.
Do outro lado da estrada, as palavras que nunca lhe entreguei em mão .
Ela é uma artista incrível .
Admiro todos os seus quadros.
Todos.
Não sei se terá algum dia a mínima suspeita. Duvido.
Sempre disfarcei bem.
O truque, sempre o mesmo.
A cada tela que me mostra, sorrio e acendo um cigarro.
“ Gosto “. “ Está bonito”.
“Já não me tinhas mostrado este”?
Sorrio sempre.
E ela sorri também.
Encolhe os ombros e oferece-me um café .
Foi assim durante anos.
Hoje não.
Mais uma tela, mais um cigarro e um par de sorrisos.
Em vez de café ofereceu-me uma conversa. Um minuto dos seus.
E falámos durante horas.
Sobre nós e sobre tudo.
Do mesmo lado da estrada, ela contou-me todos os seus sonhos.

E eu entreguei-lhe em mão os meus .

Friday, January 7, 2011

.

Manhã. Frio.

De Segunda a Sexta . Todos os dias .

Sempre.

Responsabilidade e um ordenado .

O ordenado paga a renda, a renda paga a casa.

A casa paga as frustações de quem nunca se tornou naquilo que queria .

Manhã. Frio.

Uma viagem e um comboio .

Cheio de filhos da puta. Cada um com o seu destino.

Filhos da puta como eu.

Esperando,de quatro, que a vida traga algo de novo .

Rabos de banco e meio,

barbas,

perfumes diferentes,

sorrisos, poucos .

Mulheres com péssimo gosto para sapatos .

Guarda-chuvas,

casacos velhos,

pedreiros,

hospedeiras,

bancários,

a mãe que tem um filho em frança.

“Foi a vida que quis assim “ .

Sono,

comprimidos,

problemas,

maus hálitos,

a gravata que combina com a camisa,

e a mulher que já não combina com o marido, mas que por sorte se suportam .

A senhora carregada com os sacos de plástico,

e o senhor, de coração fraco, que deixou cair os olhos no decote da menina.

Ela ri-se. Gosta disso .

O namorado menos .

De manhã começa o dia .

Os queixumes,

o filho que estuda pouco,

a filha que namora muito,

o triste fado,

as saias aos quadrados,

o solteiro,

o casado,

o divorciado de fresco,

o adolescente apaixonado que não tira os olhos no telefone .

E a cabeça da lua .

Homens com péssimo gosto para bigodes .

Compromissos,

agendas,

lancheiras com filetes .

O rio ficou para trás.

Assim como a casa na praia ou as aulas de piano .

“Se eu pudesse voltar atrás...” .

Nunca voltam .

A senhora, que há um ano era menina, carrega hoje nos braços a benção que outrora julgou ser castigo .

E eu a fazer-me um deles, como se tudo aquilo me fizesse sentido.

Amanhã já não venho .

Se perguntarem por mim ?



Estarei de volta aos teus braços .

Monday, January 3, 2011

.


Dá-me só mais um minuto. Prometo que não demoro .

Dá-me um resto do teu tempo,

sabes que a ti te custará pouco .

Dá-me um caminho diferente,

um coração novo,

prometo que to devolvo inteiro.

Dá-me força,

talvez um pouco de sorte e um copo de vinho.

Dá-me um destino certo,

uma estrada,

um novo sonho,

um mundo menos cinzento,o mais perto possível do teu peito.

Dá-me um propósito,

uma hora para chegar em ponto,

um par de asas e uma janela de onde possa avistar o mundo.

Sem que qualquer vaso se quebre .

Dá-me um cigarro dos teus,

um palácio,

um canto escuro,

e um amor como o dos filmes,

em que tudo termina perfeito.

Dá-me um daqueles teus poemas,

que escreveste quando ainda estávamos vivos .

Dá-me um pouco dessa luz com que enchias toda aquela sala .

A noite hoje está mesmo escura.



Como se tivessem partido a lua ao meio.

Thursday, July 15, 2010

O meu amor


Uma amiga que fiz por aqui, disse-me ontem que chora cada vez que ouve fado.

Nunca esteve em Portugal, não conhece Lisboa nem a língua Portuguesa.

Mora do outro lado da Europa, num País onde o fado não é mais do que um corpo estranho.

Chora com Mariza , com Carlos do Carmo e Camané .

Conhece muito bem Amália.

“ What a beautiful woman no ? ” .

Diz que o fado lhe traz paz de espírito.

Uma espécie de rua escura que há muito quer conhecer.

Chora, e di-lo com orgulho.

Com aquele sorriso malandro de quem acha que fez algo de errado.

Diz que chora sempre. Várias vezes ao dia.

E que ama o meu País por isso.

O País onde nunca esteve, mas de quem sabe tanto .

O País que está a sofrer mais do que merece.

O País mais bonito que eu conheço. Sobretudo visto de longe.

O País que é, e sempre será a minha casa .

E sabe bem ouvirmos bem da nossa casa. Saber que gostam de nós mesmo com todas as nossas imperfeições.

Os ” foda-se” , os Chico-espertismos , os buzinões, as tascas cheias de vinho, dentro e fora dos copos.

Um País que carrega hoje feridas enormes.

“ Vai-se andando “? .

Espero que sim.

O nosso País não pode nunca ser um problema.

Esta espécie de fardo que carregamos no peito e que nos impede de sorrir, mesmo entre aqueles que mais gostamos.

E nós que gostamos tanto.

Um gostar que não vemos em lugar algum.

Da janela de onde agora vejo o mundo, Portugal continua lindo.

Cheio de pessoas lindas. De mulheres lindas.

Gente cheia de talento, que às vezes se perde em coisas menores e pequenos obstáculos.

Portugal pode ser pequeno demais para alguns dos nossos sonhos.

Claro.

Mas deve ser sempre um motivo de orgulho.

Eu também choro.

Mas o País mais bonito que eu conheço chora comigo.

E enquanto o puder ver da minha janela, tudo será mais fácil.

Sei que um dia estaremos juntos.

O meu amor e eu .

Monday, April 26, 2010


Diz-lhe que gostas dela.
Diz-lhe logo. Deixa-te de merdas.
De palavras meias, e desses truques todos em que já ninguém acredita.
Diz-lhe tudo.
Diz-lhe que estás diferente.
Que o mundo mudou e tu foste mudando com ele.
Conta-lhe das viagens e dos sonhos que foste realizando.
Do armário cheio de histórias, e de todos os planos que foste fazendo em silêncio.
Conta-lhe dos anéis, das flores já mortas e das cartas.
Dos desejos que ao longo deste tempo tens deitado ao lixo.
Chega de palavras.
De encontros falhados e cobardias.
Não a deixes fugir de novo, agarra-a pelo braço.
Grita-lhe aos ouvidos, pede-lhe que te oiça por um segundo.
E se for um estalo o que recebes, dá o teu pior lado.
O outro tem de estar perfeito para os seus beijos.
Não esperes a noite perfeita, a hora em ponto para lhe dizeres o que sente.
Esquece o brilho dos sapatos, o sorriso de plástico.
As mentiras ao espelho. Diz-lhe hoje, amanhã e enquanto for preciso.
Fá-la sentir especial todos os dias.
E um dia terás o teu segundo.
Podes contar-lhe das viagens e do armário cheio de histórias.
E de como te dói o rosto de todos aqueles estalos.
Ela vai sorrir.




E dizer que gosta de ti.

Monday, April 19, 2010

00:01


Quiseram que ela fosse como todos os outros.
Serena, decidida.
Cheia de objectivos por cumprir.
Escolheram-lhe os vestidos, e os sapatos.
Deram-lhe um nome, e um propósito.
Um lugar onde chegar a horas.
Sempre.
Chamavam-lhe destino.
Ela, tinha vontades outras.
Ria-se de todas aquelas regras e frases feitas.
Achava tudo aquilo ridículo.
Chegava sempre tarde.
Nunca quis os vestidos nem os sapatos.
Vestia-se das nuvens que avistava da janela do quarto.
E era aí que passava todo o seu tempo.
Um tempo que como o nosso, foi passando.
Estava na hora.
As janelas estavam mais abertas do que nunca.
Dos vestidos e dos sapatos fez-se fogo.
Comprou uma corda e um velho livro de poemas.
E recitou-os, um por um, em frente ao espelho.
Serena, decidida.
Mas sem objectivos por cumprir.
Da corda se fez um colar.
E do fogo fez-se mais fogo .
Por todo o quarto .
Dizem que se foi para sempre e que por cá, deixou apenas cinzas.
E nuvens a passar em frente ao quarto .
Eu, guardo ainda hoje o bilhete que me deixou.





" Só se cortam as asas, a quem voa rente ao chão".

Tuesday, February 9, 2010

Monday, December 28, 2009

0:49



Ele tem os mesmos sonhos de sempre.

Ela gosta, e faz deles os seus.

Ele espera.

Ela também.

Têm entre eles um universo.

Um mundo que se virou sozinho do avesso.

Ele, escreve-lhe todos os dias.

Existem folhas espalhadas por todo o quarto.

Ela sorri. Acha que é hoje.

Os relógios estão todos parados.

Não existem janelas, nem quadros.

Ele já não tem papel.

As folhas já não estão espalhadas pelo quarto.

Os ponteiros ganharam vida.

Ele está cansado.

Ela descobriu uma pequena janela.

A noite chega, e com ela dores maiores.

Ele dorme.

Ela não.






Acha que é hoje.




 

Tuesday, November 3, 2009

ES(S)E tempo já foi


Passaram três horas. Três horas apenas.
Estou á mesa com velhos colegas de faculdade, conversando sobre as pequenas mudanças na vida de cada um.
Eles estão. Eu estou calado desde que entrei.
Do lado de cá da mesa, escuto atentamente tudo aquilo que não dizem. O que lhes sai da boca nem quero saber.
Falam de gravatas, dos patrões, dos horários, da dureza das rotinas… Falam exactamente das mesmas coisas que escrevem nos blogues, no facebook ou na ponta do nariz. Pudera, não têm neste momento mais nada nas suas vidas.
Dizem sentir-se adultos, maduros, gente crescida. Cumprem ordens e tudo.
Tudo parece diferente.
Estão feios, cansados e há algo na voz deles que soa estranho.
Sou o mais pobre da mesa. O único que não usa relógio.
Hoje nem banho tomei e estou deserto que alguma das presentes me diga algo ao ouvido. Aposto que se vai agoniar e olhar-me de forma estranha o resto da noite.
Não foi nada disto que imaginei.
A gorda, que sempre foi gorda, está maior. Os óculos parecem maiores e a cor dos lábios menos discreta. É a mais feia da mesa.
A outra, que há um par de anos era gorda, que chegou dos céus mais magra, parece estar de novo…
Forte?
É a mais cansada da noite. Fala como um adulto, sobretudo sobre os assuntos de que nada entende.
Ele era um gajo porreiro. Um amigo.
Não pagava copos ( já quase ninguém o faz), mas era uma boa companhia. Lembro-me das manhãs que passávamos a pedir tostas e cafés só para ficarmos no bar mais tempo. Lembro-me que ao contrário dos que na sala, tinham fumo a sair das orelhas, o nosso saía por entre os lábios, naquele muro velho que nunca percebemos para que servia.
Mas ele está diferente. Todos eles estão.
Não param de rir desde que chegaram. Parecem mesmo felizes.
Esqueceram os sonhos antigos, as causas porque antigamente se batiam. Dizem que o grande objectivo é assinarem contratos para poderem comprar casa e um carro novo.
Dizem que os adultos são assim. Têm pullovers e responsabilidades.
Dizem entre si, eu continuo calado.
Finalmente o restaurante vai fechar.
Enquanto se abraçam e trocam votos de sorte, eu saio para vestir o casaco.
Da janela, vejo-os a trocar os números de emprego, para que possam falar de borla. Dizem que faz parte do “sistema”, que todos o fazem. Eles e os colegas.
Cruzo os braços com a força que tenho e vou até ao parque. Faz um frio do caralho hoje.
Dentro do carro, lembro o primeiro dia que os conheci. No último em que os espero ver.
Saio finalmente dali e vejo como a noite está bonita.
Eu, não quero saber das horas.

Sou o único que não usa relógio.