Wednesday, January 19, 2011


Não funcionou.
Não tinha como. Foi muita coisa.
Não falo dos anos, esses passaram por nós a correr e da forma mais prazerosa possível.
Não funcionou, não tinha como, e agora estou aqui sozinho neste quarto do tamanho do mundo.
Não mudei nada. Esperei que o tempo tratasse de tudo.
Não tratou, claro.
Eu, continuo igual. Com tudo aquilo que tu odeias.
Não aprendi a estrelar ovos nem a cortar a relva.
Continuo a andar em casa em cuecas, e a exagerar no ketchup .
Continuo a escolher as gravatas erradas de manhã, e a chamar nomes às pessoas no trânsito.
Continuo a fumar muito. Na cozinha também.
O chão do estúdio continua cheio de livros. Os discos que o teu irmão me emprestou e que nunca mais devolvi.
O pior é mesmo a roupa.
Passar a ferro é difícil . As calças basta sacudir, mas as camisas...
Estar sozinho não é mau.
Voltei a usar o meu casaco de cabedal, que tentaste esconder no fundo do caixote duas vezes .
Esse mesmo.
Não vejo novelas nem como bróculos.
Os domingos deixaram de ter manhãs.
O quarto para além de maior, deixou de cheirar a Zara.
E a insenso.
Estar sozinho não é mau. O pior é ver-te.
A ti e ao gajo que te traz pendurada no braço, e que o usa o outro para me acenar.
O filho da puta.
Que o que sinta por ti seja do tamanho da sua cabeça.
Que cabeça.
É lá que arrumam os carros quando chegam do trabalho?
Os dois juntinhos.
Claro que sinto a tua falta. Como não sentir?
A tua e a do estúpido do cão.
O cabeças trata bem do cão? Espero que sim .
No outro dia estive na Dona Maria...
Não está melhor. Vê muito pouco.
Perguntou por ti claro. Não quis entrar em detalhes.
Vou sentir a falta dela...
Lembras-te a quantidade de coisas que nos oferecia quando começámos a viver juntos?
Aquelas empadas deliciosas... o pão, os bolinhos com o café.
Quando digo que nada mudou, falo disso também.
Ando pelos mesmos sítios...
O “teu” café, o “teu” jardim”, lembras-te?
Disseste que tinha a maior pinta de sacana do mundo mas que te tinhas apaixonado por mim.
“Agora não há volta a dar!” , disseste.
Eu tinha bebido muito. E tinha vestido o tal casaco que odiavas.
“Pareces um desgraçado” .
Tinhas uma trança no cabelo não tinhas? Tenho quase a certeza.
O teu cabelo era tão claro como agora.
E o sorriso. Enorme.
As tuas mãos, que rapidamente se tornavam as minhas.
E o teu coração, que tantas vezes foi o meu.
E onde hoje não estou.