Monday, December 28, 2009

0:49



Ele tem os mesmos sonhos de sempre.

Ela gosta, e faz deles os seus.

Ele espera.

Ela também.

Têm entre eles um universo.

Um mundo que se virou sozinho do avesso.

Ele, escreve-lhe todos os dias.

Existem folhas espalhadas por todo o quarto.

Ela sorri. Acha que é hoje.

Os relógios estão todos parados.

Não existem janelas, nem quadros.

Ele já não tem papel.

As folhas já não estão espalhadas pelo quarto.

Os ponteiros ganharam vida.

Ele está cansado.

Ela descobriu uma pequena janela.

A noite chega, e com ela dores maiores.

Ele dorme.

Ela não.






Acha que é hoje.




 

Tuesday, November 3, 2009

ES(S)E tempo já foi


Passaram três horas. Três horas apenas.
Estou á mesa com velhos colegas de faculdade, conversando sobre as pequenas mudanças na vida de cada um.
Eles estão. Eu estou calado desde que entrei.
Do lado de cá da mesa, escuto atentamente tudo aquilo que não dizem. O que lhes sai da boca nem quero saber.
Falam de gravatas, dos patrões, dos horários, da dureza das rotinas… Falam exactamente das mesmas coisas que escrevem nos blogues, no facebook ou na ponta do nariz. Pudera, não têm neste momento mais nada nas suas vidas.
Dizem sentir-se adultos, maduros, gente crescida. Cumprem ordens e tudo.
Tudo parece diferente.
Estão feios, cansados e há algo na voz deles que soa estranho.
Sou o mais pobre da mesa. O único que não usa relógio.
Hoje nem banho tomei e estou deserto que alguma das presentes me diga algo ao ouvido. Aposto que se vai agoniar e olhar-me de forma estranha o resto da noite.
Não foi nada disto que imaginei.
A gorda, que sempre foi gorda, está maior. Os óculos parecem maiores e a cor dos lábios menos discreta. É a mais feia da mesa.
A outra, que há um par de anos era gorda, que chegou dos céus mais magra, parece estar de novo…
Forte?
É a mais cansada da noite. Fala como um adulto, sobretudo sobre os assuntos de que nada entende.
Ele era um gajo porreiro. Um amigo.
Não pagava copos ( já quase ninguém o faz), mas era uma boa companhia. Lembro-me das manhãs que passávamos a pedir tostas e cafés só para ficarmos no bar mais tempo. Lembro-me que ao contrário dos que na sala, tinham fumo a sair das orelhas, o nosso saía por entre os lábios, naquele muro velho que nunca percebemos para que servia.
Mas ele está diferente. Todos eles estão.
Não param de rir desde que chegaram. Parecem mesmo felizes.
Esqueceram os sonhos antigos, as causas porque antigamente se batiam. Dizem que o grande objectivo é assinarem contratos para poderem comprar casa e um carro novo.
Dizem que os adultos são assim. Têm pullovers e responsabilidades.
Dizem entre si, eu continuo calado.
Finalmente o restaurante vai fechar.
Enquanto se abraçam e trocam votos de sorte, eu saio para vestir o casaco.
Da janela, vejo-os a trocar os números de emprego, para que possam falar de borla. Dizem que faz parte do “sistema”, que todos o fazem. Eles e os colegas.
Cruzo os braços com a força que tenho e vou até ao parque. Faz um frio do caralho hoje.
Dentro do carro, lembro o primeiro dia que os conheci. No último em que os espero ver.
Saio finalmente dali e vejo como a noite está bonita.
Eu, não quero saber das horas.

Sou o único que não usa relógio.

Sunday, October 25, 2009

Calme couteau


"Tenho no fundo do meu armário,
restos teus e daquela noite de inverno
em que quiseste um outro nome
e um corpo mais, juntado aos nossos .
Fica sempre qualquer coisa em nós, quando nos morre alguém de perto. Alguém á nossa porta.
Tu, que és hoje um crime e adoras a ideia, és não mais do que o pó das palavras, que dissemos um ao outro.
De nada te valeu o melhor vestido ou aquele aliciante hálito a vinho velho, que trazias em fim de tarde.
Não te valeram de nada tantos dias e tantas noites, em que o deixaste no meu quarto cada parte desse corpo, que ainda hoje admiro,desejo e recordo.
Estás longe.
E onde quer que estejas, não lamentes...


Lembras-te quando te colavas ao meu corpo e olhos nos olhos, me pedias que a teu lado, incendiasse o mundo?





Comecei por ti. "

Saturday, October 17, 2009

Do outro lado da rua


Quem me conhece, sabe que raramente usei este espaço para partilhar qualquer tipo de opinião pessoal.
Este, continua a ser o velho bloco onde deixo algumas coisas e que , por sorte,vocês gostam e acompanham .
Quem me conhece, sabe que gosto do meu País. Do País de Jorges e de Marias, nunca de Bernardos ou Madalenas .
Quem me conhece, sabe que tenho uma admiração particular por tradições, por mais "estúpidas" que possam parecer.
Quem me conhece sabe que tenho tudo menos de conservador. Que gosto da "rebeldia", do pensamento independente, das alternativas, de novos espaços, novas vontades...
Mas tenhamos calma .
Digo isto porque estou cansado desta "moda" que é quebrar tradições.
Esta "moda" de votar em não partidos,de criar movimentos ridículos baseados no marketing e nunca nas propostas, de ser "alternativo" sem ser alternativa a coisa alguma, de quebrarmos com tradições antigas que nos marcam e nos distinguem,de seguirmos um qualquer fenómeno massivo que lá no fundo nos diz tão pouco .
Nunca entrei numa tourada. Não sou grande fã de cavalos, de quintas e tenho pouca paixão ( e não me orgulho disso) pelos ambientes rurais, quintas ,montes, etc .
Isso não invalida, no entanto, o respeito que tenho pelas corridas de touros, pelos aficcionados, pelas pessoas que pagam (muito) por assistir a uma tourada.
Hoje, sem querermos perceber a sua essência, todos somos contra as touradas, contra as tascas velhas, contra as roulotes, contra as músicas portuguesas (as verdadeiras, não as criadas em laboratório para encher festivais), contra toda a rudez, repito rudez, que nos caracteriza e que a mim , pelo menos, me orgulha.
Hoje, a minha geração revê-se nas demagogias, nos Louçãs, nos fenómenos de massas, no lucro fácil, no mainstream descartável que vende mais do que o "pop lixo",tão odiado entre as intelectualidades .
Hoje, temos a possiblidade de ser marginais, de pensar diferente desses que se intitulam rebeldes e que gastam minutos de vida a assinar petições no Facebook e em sessões de conversa podre, sem qualquer conteúdo. Hoje, podemos dizer que gostamos de beber vinho em copos baços, de jantar em resorts de luxo para as baratas, onde o bife sabe a batatas e as batatas sabem a ontem .
Hoje podemos tatuar datas especiais no corpo, pessoas que amamos no peito .
Hoje, podemos dizer que o verão não tem assim tanta piada. Que é bom estar deitado a ouvir chover, que ir ao ginásio é aborrecido, que sabe melhor mijar na rua .
Hoje, podemos dizer mijar .
Hoje, podemos dizer que não temos paciência para ir ao Sudoeste, que não gostamos de tendas e mosquitos, que a cerveja á refeição sabe mal, que um carro caro é um investimento estúpido.
Hoje, podemos dizer que gostamos de Portugal, que Lisboa é bonita, que o Porto sabe-nos bem.
Hoje, podemos escrever um texto enorme e ilustrá-lo com um croquete.
Hoje, podemos ser livres e fazemos muito pouco por isso .
Sei que não estou sozinho.
Gritem, caralho .



Sim,dizer "caralho" é feio .

Sunday, July 5, 2009

Entre o sono e o sonho volume II




Tive a honra do convite e aceitei. Serei um dos autores presentes na colectânea, com um par de textos. Sai no final deste mês,acho que dia 26.
Tenho saudades de escrever aqui.
Vou fazê-lo em breve.

Friday, May 1, 2009



Tenho minhas, apenas as palavras .
Tenho palavras, que nem palavras são. Palavras que deito por fora, e outras tantas que guardei só para ti.
Guardo palavras no bolso, palavras no peito. Algumas digo-as ao ouvido, sem o mínimo de respeito por quem pelo canto do olho, nos observa e me inveja.
Procuro ainda hoje novas palavras que expliquem o que somos.
O que somos quando te toco. O que somos quando as minhas palavras te tocam .
Tenho palavras escritas em cada parte do teu corpo, que hoje como sempre, quis perto de mim.
Tenho palavras trocadas, escritas do avesso, palavras que tiram do sério, que fazem meio mundo não gostar de mim. Tenho palavras para dizer que te adoro. Para dizer-te que gosto que as leias. E que hoje como sempre, me fizeste falta.
Não sabes o quanto me fazes falta…
Tenho cravadas na pele, palavras deixadas no escuro que ainda hoje, temo que se cruzem contigo.
O desejo pode ser perigoso. As palavras também.
Gastei contigo demasiadas, restam-me poucas escondidas. Algumas são minhas, outras nem tanto. Encontrei-as debaixo do teu vestido.
São palavras raras, talvez nunca as tenhas ouvido… palavras de outros tempos, de outros mundos…de um amor como o que nos roubaram. Como o amor que me roubaste.
Palavras que ainda hoje dormem ao relento, sem tecto nem corpo, sem voz nem cheiro.
Nem vivas, nem mortas.
Nem minhas, nem tuas.


“ Sabes guardar um segredo? “

Tuesday, March 17, 2009

Pano



Enquanto houver música na sala haverão sempre os nossos passos, seja qual for a dança, seja qual for a companhia.
Enquanto houver música na sala, haverão sempre as velhas dançantes, e os maridos de passo trocado, rogando pragas aos ponteiros, e ao tempo que com eles adormeceu.
Enquanto houver música na sala, haverá sempre o som das nossas vozes sobre todas as outras, onde ao ouvido, te prometo a cada toque de pele, que de pele vai tendo pouco,o nascer de outro poema .

Somos hoje apenas sombras.

Enquanto houver música na sala, estarei sempre eu a olhar p´ra ti, esperando que a dança dure uma vida, e que a canção me faça parecer quase perfeito .
Haverá sempre aquele teu vestido, de lés a lés vermelho, onde cada sonho meu encontra o teu peito, e onde daquele canto, não mais fugimos.
Nem eu, nem tu. Nem o crime que nos tornámos.

Enquanto houver música na sala, haverão sempre os cantos escuros onde te quero, e onde esse vestido é, de lés a lés despido, e onde cada sonho meu encontra o teu peito, e onde desse canto não mais fugimos. Nem eu, nem tu .

Nem o crime que nos tornámos .

Thursday, March 5, 2009



Existem em ti dois amantes
Cujo amor não tem tecto
Nem sinais de abrandamento
Dois amantes pouco importantes
E pouco importa o que é certo
Se é certo no momento

E os momentos são instantes
Sobre as brasas são dançantes
Queima demais o sentimento
De quem ama amor errante

De quem ama cá de dentro

E eu, que amo sem qualquer arte
Só queria abraçar-te...



Amor é vidro, e parte
Amor é vidro, e parte .

Saturday, February 7, 2009

Fotografia





Sempre odiei tecnologias. E odeio-as pela mesma razão pela qual odeio mulheres mais bonitas e inteligentes do que eu.
Mais tempo, menos tempo, somos sempre ultrapassados.(Odeio-as sobretudo nestas alturas, porque nas outras a coisa até é bem suportável).
Sempre me dei melhor com os papeis e com as telas, do que com qualquer objecto cuja função dependa de um On/Off. Ao saber que teria de ter a cadeira de fotografia( E o verbo não é aqui colocado ao acaso), cedo percebi que a estrada seria estreita e acidentada, e que muito provavelmente iria tombar pelo caminho.
Em vinte e dois anos de vida, sempre que me juntei com outras pessoas dentro de salas estreitas e escuras, com químicos envolvidos, a coisa nunca correu bem.
A cada cigarro aceso em curtas pausas de trabalho algum, ia pensando sobre a melhor forma de capturar a realidade. Ângulo, luz, sombra, e tantas outras terminologias que se me pedirem para relacionar com a técnica fotográfica dificilmente o saberei , foram-me “atafolhando” o subconsciente, que diga-se, de muita tralha vai estando farto.
Mas como capturar a realidade, se tudo o que defendo artisticamente é a distorção da mesma ?
Como reproduzir o que os olhos vêm, quanto tantas vezes os cerrei, esperando que o que penso ou sinto, me traga algo diferente, e mais belo?
É estranho...
A estas incógnitas junta-se a ideia, confirmada por dezenas de vezes por familiares,amigos,mestres,professores,patrões e afins, de que nem sempre o meu caminho entre o "quero fazer isto", e o acto de fazer em si, é um caminho recto. Normalmente existem atalhos. E normalmente terminam em lugar nenhum.
E depois há o revelador,o fixador, o banho de paragem, o obturador, o fotómetro, o cheiro a ontem das toalhas, o calor, o sono, o hálito( meu, e dos demais) denunciando as horas de escuro perdidas, sem nada dar ao estômago para que se cale.
E o papel tão mariquinhas que com um pouco de luz a mais se queima, "precisa de filtro!" ,dizem os sábios.
Estou farto de erros.Dos meus, e dos vossos.
E os deles, que nos roubaram fotos!
Entre os muito escuros e os muito claros que vou parindo, percebo que de facto os meus talentos, caso existam, estão decerto destinados a outras câmaras menos escuras. E quando a meio do processo, percebemos que desengordurante não é sunquick, já as fotos parecem "Dalis" e "Pollocks", a que nem as molas se pegam.
Nem mil cachimbadas de vapor egípsio salvariam o professor da árdua tarefa de me avaliar as obras primas.
-“Pá meu, isto é uma porcaria” .
É de facto, e o mais estúpido de tudo isso é que ainda me rio disso mesmo, e com “disso mesmo” quero mesmo dizer, de mim. Quando 50% da tarefa está (mal) cumprida, julgamos tudo mais fácil, com três simples letras, que juntas entre pontos, são responsáveis por muitos quilómetros de distância entre jovens e cultura.
U.S.B .
Mas nem isso me ajuda. O problema de interpretação fragmentada do que me rodeia mantém-se, a facilidade de manuseamento com tudo o que implique On\Off também. Juntam-se as vontades no peito, e engolem-se todos os palavrões apetecíveis a cada fotografia mal medida. Os barcos perdem a proa, as senhoras do mercado a cabeça, e nem os dois polícias gordos rogando pragas a Cavaco e á crise, se livram de um ligeiro mutilar dos seus membros inferiores.
E quando se tiram setenta e seis fotos num raio de quilómetro e meio, e se chega a casa ansioso por ver o resultado daquele tempo lançado ao lixo, percebemos que” U.S.B” sem computador nem “U” pode ser, o computador esse está sem bateria.
E o carregador ficou no mercado.
O das senhoras sem cabeça.

Sunday, January 11, 2009