Wednesday, June 1, 2011

Crónicas ao acaso III - Paris



“Querida Henriette,

Passou muito tempo desde a última vez que nos vimos.
Tempo a mais diria.
Cruzar-me contigo foi cruzar-me com o melhor de mim próprio. Um lado que eu mesmo desconhecia.
Podia escrever-te para te dizer que tenho saudades. Que sinto a tua falta.
Podia relembrar-te o que passámos juntos. Podia falar-te de Paris, claro.
Da tua cabeça no meu ombro, sempre.
Da casa daquela tua amiga esquisita que só comia peixe de rio. Do vinho que o teu avô te deixou, e que quiseste partilhar comigo.
Podia, claro, dizer-te que é o teu corpo que procuro em cada corpo que vou conhecendo.
Que, mesmo hoje, gostava de ver-te. De saber de ti.
Podia confessar-te que guardo, intactas, todas as tuas cartas.
Que as tuas palavras ainda me são caras. Que imaginar-te com outro custa.
Que lhe caiam os dentes todos.
Podia dizer-te que rasguei a própria pele para eternizar a tua expressão de vida.
Il fault que jeunesse se passe.
E isso justificava a merda que fazíamos juntos.
Podia, como tantas vezes, falar do tamanho do salto dos teus sapatos, que nunca me meteram medo.
Era perto do céu que eu te queria.
Podia deixar que fizesses pouco do meu terrível sotaque francês. Lembrar-te a forma como os teus amantes me olhavam. De como o teu pai queria partir-me um braço.
Podia cantar para ti aquelas músicas todas. Repetir um dos meus cozinhados horríveis.
Podia falar-te da tua janela por onde entrei e saí tantas vezes. Podia dizer-te que estás presente.
Que me lembro de ti sempre.
Que te vejo em todo o lado.
Podia tentar fazer diferente, como nunca tentei enquanto estiveste perto.
Mas o que quero mesmo é escrever-te.
E um dia ouvir-te de novo.”