Manhã. Frio.
De Segunda a Sexta . Todos os dias .
Sempre.
Responsabilidade e um ordenado .
O ordenado paga a renda, a renda paga a casa.
A casa paga as frustações de quem nunca se tornou naquilo que queria .
Manhã. Frio.
Uma viagem e um comboio .
Cheio de filhos da puta. Cada um com o seu destino.
Filhos da puta como eu.
Esperando,de quatro, que a vida traga algo de novo .
Rabos de banco e meio,
barbas,
perfumes diferentes,
sorrisos, poucos .
Mulheres com péssimo gosto para sapatos .
Guarda-chuvas,
casacos velhos,
pedreiros,
hospedeiras,
bancários,
a mãe que tem um filho em frança.
“Foi a vida que quis assim “ .
Sono,
comprimidos,
problemas,
maus hálitos,
a gravata que combina com a camisa,
e a mulher que já não combina com o marido, mas que por sorte se suportam .
A senhora carregada com os sacos de plástico,
e o senhor, de coração fraco, que deixou cair os olhos no decote da menina.
Ela ri-se. Gosta disso .
O namorado menos .
De manhã começa o dia .
Os queixumes,
o filho que estuda pouco,
a filha que namora muito,
o triste fado,
as saias aos quadrados,
o solteiro,
o casado,
o divorciado de fresco,
o adolescente apaixonado que não tira os olhos no telefone .
E a cabeça da lua .
Homens com péssimo gosto para bigodes .
Compromissos,
agendas,
lancheiras com filetes .
O rio ficou para trás.
Assim como a casa na praia ou as aulas de piano .
“Se eu pudesse voltar atrás...” .
Nunca voltam .
A senhora, que há um ano era menina, carrega hoje nos braços a benção que outrora julgou ser castigo .
E eu a fazer-me um deles, como se tudo aquilo me fizesse sentido.
Amanhã já não venho .
Se perguntarem por mim ?
Estarei de volta aos teus braços .