Monday, June 4, 2012
Os dias todos
"Ninguém quer ser feliz pelos motivos certos", disseram-me uma vez e nunca mais deixei de pensar nisso.
Há no desejo de ser feliz, uma ideia de utopia e perfeição, que nos devia aborrecer.
A procura pelo encaixe.
Uma paixão metódica.
Amar, claro, mas de forma ponderada.
Com planos. Com contas.
Poupar para gastar bem.
Nunca entendi a relação entre o compromisso e esta obsessão em estar sempre certo.
Quando casamos, queremos automaticamente deixar de ser estúpidos.
Erramos menos. Compramos montes de polos.
Falamos de contas. Spreads.
Um estranho pacto com a lógica.
"Isso era dantes". "Tudo tem o seu tempo".
Dizem que a paixão só dura 6 meses. Como 6 meses?
Claro que não dura 6 meses. Não pode durar 6 meses.
Quem quer, tem de querer sempre. Tentar todos os dias.
Criar. Recriar. Fazer por isso.
Sorrir todos os dias, e nos dias em que não tivermos motivos para fazê-lo, choramos os dois. Mandamos juntos foder o universo.
Esperaremos por um amanhã menos mau.
Roubar a mangueira ao vizinho.
Chegar a casa às 6h.
Vazar o Porto que o teu pai guardou para o baptizado do Gonçalo.
Não baptizar o Gonçalo.
Estar estúpido.
Estar vivo.
Deixar os miúdos a dormir na tia hoje.
Ter menos reuniões.
Estar mais presente.
Ninguém quer ser feliz pelos motivos certos, porque esses nunca tos entregam em mãos.
Há na procura da felicidade um desejo estúpido de conforto.
De facilidade.
"Já tem a vida orientada".
Foda-se para as orientações, ninguém disse que isto ia ser fácil.
Que os spreads não sobem.
Que os putos não iam ter insónias.
Que todas as portas começam fechadas.
Ninguém quer ser feliz pelos motivos certos.
Mas há formas bem diferentes de se estar errado.
Sunday, January 15, 2012
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Podes tentar tudo. Sei que o vais fazer, já te conheço. Queres a sua atenção. Precisas disso. Podes tentar tudo. Sei que vais tentar tudo. Jantares. Flores. A música do Bon Iver, que usaste como pretexto para que se conhecessem. Poemas.Piadas. Chamadas tardias. Podes tentar tudo. Dar-lhe força. Mostrar-lhe a tua. Que não desistes. Que ela merece mais.
Fala-lhe de ti, mas não mintas.
Sabes que já sofreu demasiado.
Mostra-lhe o teu quarto. Senta-a na tua cama.
Beija-lhe o ombro . Diz que não desistes facilmente.
Mostra interesse.
Podes tentar tudo.
Sei que o vais fazer, já te conheço.
Queres que esteja por perto. Precisas daquele cheiro.
Pede-lhe uma hora. Sessenta breves minutos.
Pede-lhe que te oiça.
Que fale contigo. Que te conte tudo.
Que chore foda-se, se quiser.
Diz-lhe que também tens medo. Que és humano.
Que também sofres. Que também sangras.
Mostra-lhe o teu mundo. Aproxima-a do teu peito.
Pergunta-lhe onde gostaria de estar. Leva-a.
Toca-lhe nos lábios. Diz-lhe que está tão bonita hoje.
Dá-lhe o teu casaco que hoje faz frio.
Podes tentar tudo.
Sei que vais tentar tudo.
Viagens. Chocolates.
O poema do Bukowski que usaste como pretexto para terem tema de conversa.
Podes tentar tudo.
Sei que vais tentar tudo.
Só não lhe mintas.
Sabes que já sofreu demasiado.
Tuesday, December 27, 2011
Triumph
Que os homens não percebem não percebem nada de mulheres, poucos contestam e quase todos concordam.
Falhamos sempre.
Nas datas, nas prendas.
Que os homens não percebem nada de mulheres, eu não discuto e assino por baixo.
O que me surpreende é a falta de conhecimento que os homens revelam de si próprios.
Os homens que gostam de mulheres, gostam de mulheres.
Pele, carne, lábios.
Os homens que gostam de mulheres, gostam de mulheres que existam. Que nos façam sentir uns merdas. Que nos obriguem a dar tudo.
Os homens que gostam de mulheres, gostam de mulheres.
Cabelo, olhos, sardas.
Os homens que gostam de mulheres, gostam de mulheres que possam ser deles um dia. Que nos façam sonhar. Que nos obriguem a trocar a bola pelos filmes do Gosling.
Os homens que gostam de mulheres, não gostam do cartaz da Triumph.
As miúdas do cartaz da Triumph não são mulheres. São bonecos de cera. Efeitos especiais.
As miúdas do cartaz da Triumph não existem. Não se percebem. Não têm cor.
As miúdas do cartaz da Triumph são feitas de pau. Sem feições.
Os homens que gostam de mulheres, gostam de mulheres.
Mãos, ombros, dentes.
Vontade própria.
As miúdas do cartaz da Triumph ( são várias certo ? não se percebe ) trocaram a autoestima pela fome.
Não se percebem. Não têm cor.
Os homens que gostam de mulheres, gostam de mulheres que nos façam sentir esquecidos. Dedicar-lhes músicas foleiras. Emprestar-lhes o casaco.
As miúdas do cartaz da Triumph não precisam de casaco porque não têm ombros.
As miúdas do cartaz da Triumph são feitas de borracha. Sem brilho.
Só Photoshop e Óleo Johnson.
Os homens que gostam de mulheres, gostam da Luisa Beirão e da Andreia Rodrigues.
E não de esferovite.
O novo cartaz da Triumph não pára transito algum. Não provoca discussões entre casais. Comentários perversos.
As miúdas do cartaz da Triumph não são Portugueses nem de lugar nenhum.
Não ouvem boa música. Não vestem a nossa T-shirt ao pequeno-almoço.
Não fazem pouco dos nossos cozinhados miseráveis.
Os homens que gostam de mulheres, gostam de mulheres.
Gelado no nariz. Olheiras.
Que nos obriguem a trocar a bola pelo jantar da amiga gorda.
Os homens que gostam de mulheres, gostam de mulheres.
Cintura, pernas, peito.
Um coração do tamanho do universo.
Personalidade. Atitude.
E um par de mãos pequenas dispostas às tarefas mais variadas.
“Olhas mais uma vez dou-te um estalo”.
Friday, November 18, 2011
Monday, November 14, 2011
Ana Rita Clara
É estranhamente confortável escrever sobre Ana Rita Clara.
Escrever sobre Ana Rita Clara é escrever sobre todos nós, os que nunca tivemos uma.
Voltar atrás no tempo. Relembrar tudo.
As borbulhas.Os fracassos todos.
Escrever sobre Ana Rita Clara é escrever sobre mim próprio. Sobre as
cartas de amor que foram ficando no meu bolso.
Escrever sobre Ana Rita Clara é perverso, mas carinhosamente
ternurento.
Quase romântico.
Ana Rita Clara é tudo ao mesmo tempo.
Ana. Rita. Clara. Três maldições numa.
Qualquer uma capaz de nos partir a vida ao meio. Um erro tremendo.
Uma estúpida noção de perfeição.
Ana Rita Clara é a melhor das mortes. Serve-se com Bourbougne.
Minuto e meio de Van Morrison.
Não antecipes o refrão. Espera que o faça, e acompanha-a.
Ana Rita Clara é a miúda do banco da frente.
O sorriso de menina que não deveria ter um dono.
Os olhos pequenos. Perfeitos.
O melhor dos fins.
Escrever sobre Ana Rita Clara é perverso, mas carinhosamente ridículo.
Quase patético.
Uma estúpida noção de infantilidade.
Não querer crescer nunca.
Ana Rita Clara é o melhor dos destinos. Serve-se com a sorte necessária.
Minuto e meio já seria perfeito.
Não antecipes nada. Espera que esteja distraída e quem sabe tenhas sorte.
Oferece-lhe os teus apontamentos.
Volta atrás no tempo. Relembra tudo.
Chama-lhe Ana. Rita. Clara.
Diz-lhe que é tudo ao mesmo tempo.
Que o seu sorriso não deveria ter um dono.
E que é estranhamente confortável escrever sobre isso.
Tuesday, November 8, 2011
10-2011
Não há nada em Rita que Mário desconheça.
Conheceram-se novos. Cresceram juntos.
Partilharam.
Não há nada em Rita que Mário desconheça.
Os seus gostos. Os seus medos.
O prato favorito. As paranóias todas.
Rita é uma pessimista. Trabalha muito. Queixa-se ainda mais.
Acha que o mundo vai rebentar. Que tudo é injusto.
Que assim, seja o assim o que for, as coisas não vão para a frente.
Mário ri-se disso. Não há nada em Rita que Mário não suporte.
Diz-lhe que não se preocupe. Que podia ser pior.
Não há nada em Rita que Mário desconheça.
As datas importantes. A alergia a marisco.
O péssimo gosto para acessórios.
-“Viste os meus brincos?”
-“Não, não...”
Conheceram-se novos. Cresceram juntos.
Descobriram-se. Ensinaram-se.
Separam-se.
Mário precisou de tempo. Rita quis conhecer Londres.
Conheceram. Cresceram.
Descobriram. Aprenderam.
Reencontraram-se.
Rita é uma realista. Trabalha menos. Disfruta mais.
Acha que só se vive uma vez. Que tudo tem o seu tempo.
Que o futuro, aconteça o que acontecer, vai ser futuro.
Mário ri-se. Diz-lhe que a quer muito. Embora tenha pouco tempo.
Mário é ocupado. Viaja muito. Dedica-se cada dia mais.
Gostava que o dia tivesse mais horas.
Rita não se importa.
Não há nada em Mário que não suporte.
Diz-lhe que não se preocupe. Que vai esperá-lo sempre.
E que lhe devolva os brincos que escondeu.
Thursday, September 22, 2011
Chama-se Beatriz.
Podia ser Rita, ou Mariana. Mas é Beatriz.
Passei meses à procura do seu nome.
E agora sei que se chama Beatriz.
Beatriz (que estranho nome Beatriz), é mais bonita do que provavelmente merece.
Tem o rosto e mãos pequenas, e uns saltos do tamanho do universo.
Fala e sorri muito.
Apanha o comboio, como todos nós.
Tem uma rotina, um emprego desses.
Beatriz (afinal chama-se Beatriz) fala-me muito de si.
Diz que sofreu muito.
Que o destino lhe trocou as voltas.
Beatriz, que podia ser Sara ou Madalena, tem palavras para tudo.
Julga-se vítima de uma armadilha.
Que de certa forma, sou eu o culpado.
Acha que sou um desastre.
Mas ri-se dos meus crimes.
E segura no meu braço.
Beatriz ( como assim Beatriz?), está mais errada do que provavelmente acredita.
Tem um olhos claros e pequenos, e um desplante do tamanho do universo.
Diz que sofreu muito.
Mas que tem um bonito nome.
Tuesday, September 6, 2011
Novembro.
Um dia, qualquer dia, vais ter a tua casa.
O sítio onde queres passar o resto da tua vida.
Um dia, qualquer dia, vais ter dinheiro para os teus cigarros.
Vais comprar boas gravatas. Bons sapatos.
Dar gorjetas.
Deixar o troco ao senhor do café.
Um dia, qualquer dia, vais ser promovido.
Compras um carro novo.
Fazes obras na garagem.
Convidas os amigos para jantar.
Falas-lhes de como a vida te corre bem.
Do emprego que gostariam de ter.
Da piscina que estará pronta no Verão.
Um dia, qualquer dia, vais poder comer onde te apetece.
Ver o fogo de artíficio da varanda.
Conhecer o mundo aos poucos.
Rio de Janeiro. Paris. Tóquio.
Vais ter uma liberdade muito tua.
O teu espaço.
Vais conhecer mulheres bonitas.
Dormir com elas. Comprar-lhes vestidos.
Teres os affairs que bem entenderes.
Beber bom vinho.
Comprar novos tacos de golf.
Um relógio pesado.
Alguém que te passe as camisas.
Sossego. Conforto. Silêncio.
Um dia, qualquer dia, vais ser o melhor da tua rua.
Admirado no supermercado.
“ - Diz que se deu muito bem por lá! ”
Vais ser convidado para tudo.
Padrinho de mundo e meio. O primeiro da mesa a ser servido.
Vais poder contratar pessoas. Despedi-las.
Levantar a voz no restaurante.
Dizer que não votas em ninguém.
Fazer pouco de quem teve menos sorte do que tu.
Terás as prestações todas pagas.
Dois meses de férias. Mais um aumento.
Um garagem com menos espaço.
Mais gravatas. Mais um relógio.
Alguém que te corte a relva.
Vais ter gente atrás de ti.
Gente para ti.
Um telefone em cada mão.
Vais trabalhar mais.
Visitar menos os teus pais.
Passar mais tempo no ginásio.
Querer parecer mais novo.
Vais ter muitos encontros.
Sara.
Sofia.
Cláudia.
Mariana.
A Rita, que te ajudava com a Matemática no Liceu.
A Filipa que agora é enfermeira.
Vais ter um escritório maior.
E achar o mundo demasiado fácil.
Que não te falta nada.
Até que um dia, talvez nesse mesmo dia, acordarás sozinho.
No teu espaço.
Com os teus dois telefones.
Sem a Sara. A Sofia. A Cláudia. A Mariana.
A Rita, que ensina Matemática num Liceu.
A Filipa que mudou de turno e de vida.
E vais querer gente ao pé de ti.
Gente por ti.
Vais cansar-te do silêncio.
Do sossego. Do conforto.
Dessa liberdade muito tua.
Vais perceber que te falta tudo.
E um dia, qualquer dia, vais perceber que ainda há tempo.
Que há sempre tempo.
E começas tudo de novo.
Wednesday, June 15, 2011
.
"Foi difícil chegar a ti.
Muitas perguntas, muita gente pelo meio.
Julguei que o destino não nos queria.
Que nunca saberias que existo.
Foi difícil falar contigo.
Estar à tua altura.
Fazer-me ouvir.
Saber coisas tuas.
Explicar-te porquê tu.
Perguntar-te porquê eu.
Tiras as dúvidas todas.
Tocar-te no rosto, se me deixares.
Olhar-te muitas vezes nos olhos.
Pagar-te o jantar.
Fazer-te bigodes com a espuma do café.
Imitar a tua voz quando falas ao telefone.
Rir-me das tuas histórias.
Estar apenas.
Disfrutar de ti. Chamar-te princesa.
Babe não, que é foleiro.
Opinar sobre o teu vestido.
Perguntar-te porque escolheste essa cor para as unhas.
Como consegue o teu cabelo ser tão claro.
Falar-te das minhas tatuagens.
Escondê-las daquelas mães que tratam os filhos por você.
Estar somente ali.
Não te pedir nada.
Foi tão difícil chegar a ti.
Devia escrever-te uma canção.
Uma poema não, que é foleiro."
Wednesday, June 1, 2011
Crónicas ao acaso III - Paris
“Querida Henriette,
Passou muito tempo desde a última vez que nos vimos.
Tempo a mais diria.
Cruzar-me contigo foi cruzar-me com o melhor de mim próprio. Um lado que eu mesmo desconhecia.
Podia escrever-te para te dizer que tenho saudades. Que sinto a tua falta.
Podia relembrar-te o que passámos juntos. Podia falar-te de Paris, claro.
Da tua cabeça no meu ombro, sempre.
Da casa daquela tua amiga esquisita que só comia peixe de rio. Do vinho que o teu avô te deixou, e que quiseste partilhar comigo.
Podia, claro, dizer-te que é o teu corpo que procuro em cada corpo que vou conhecendo.
Que, mesmo hoje, gostava de ver-te. De saber de ti.
Podia confessar-te que guardo, intactas, todas as tuas cartas.
Que as tuas palavras ainda me são caras. Que imaginar-te com outro custa.
Que lhe caiam os dentes todos.
Podia dizer-te que rasguei a própria pele para eternizar a tua expressão de vida.
Il fault que jeunesse se passe.
E isso justificava a merda que fazíamos juntos.
Podia, como tantas vezes, falar do tamanho do salto dos teus sapatos, que nunca me meteram medo.
Era perto do céu que eu te queria.
Podia deixar que fizesses pouco do meu terrível sotaque francês. Lembrar-te a forma como os teus amantes me olhavam. De como o teu pai queria partir-me um braço.
Podia cantar para ti aquelas músicas todas. Repetir um dos meus cozinhados horríveis.
Podia falar-te da tua janela por onde entrei e saí tantas vezes. Podia dizer-te que estás presente.
Que me lembro de ti sempre.
Que te vejo em todo o lado.
Podia tentar fazer diferente, como nunca tentei enquanto estiveste perto.
Mas o que quero mesmo é escrever-te.
E um dia ouvir-te de novo.”
Monday, May 30, 2011
Crónicas ao acaso - II
“Meu amigo vendo-lhe isto como se fosse p´ra mim!”.
Ao ouvir isto percebi que era tarde de mais. Tinha sido enganado.
Trafulhice pura. Sexo não consentido.
Foi há um ano quando o destino me obrigou a comprar um carro novo.
“Destino” é o que chamo à companhia de seguros que deu pelo meu carro o mesmo que eu dei pelo meu bonsai interior.
O acidente, muito simples. Dois carros, um cruzamento. Eu vi o stop, uma senhora de 78 anos não.
O vendedor de carros era, como todos os vendedores de carros, um gajo simpático. Chamava-se Mário e contou-me toda a sua vida. Era casado pela 3ª vez e tinha combatido no Ultramar. Quando me abriu o capot do 1º carro, perguntei-lhe se o carro tinha combatido a seu lado.
Soltou uma gargalhada e mostrou-me um outro.
Preto, baixinho, sem capota. Uma quase “bomba”, ideal para gajos com a minha carteira ou com a cara do Mário conseguirem companhia para o cinema.
Sentou-se no carro e obrigou-me a sentar-me também. Começou a mexer em todos os botões e a explicar-me para que serviam. Eu ia acenando com a cabeça e contava os segundos para fugir dali.
-“Repare no rádio, basta rodar o botão do Tune com o indicador e ele vai procurando automaticamente os postos”, explicou.
-“Então mas isso não fazem todos?”
-“Com esta qualidade? Nada disso amigo!”.
Quando me chamou amigo percebi que estava a ser enganado de novo.
A segunda violação da tarde.
Fingi que acreditei,claro.Acenei com a cabeça e assisti ao resto da palestra.
Durante hora e meia mostrou-me o carro de lés-a-lés.
Comprar um carro é como terminar uma relação com alguém que apesar de tudo nos diz muito. Pondera-se, pondera-se, pondera-se. Pesam-se todos os prós e contras, decide-se.
E no fim sentimos sempre que optámos mal.
Assinei uma dúzia de papeis e lá comprei o carro. Preto, baixinho, sem capota.
Uma quase “bomba” que de facto nos impede de ir ao cinema sozinhos.
Nunca percebi se o negócio tinha sido realmente mau. Livrei-me do carro passado um par de meses.
“Livrei-me” é o termo que uso para apelidar o amor mais efémero da minha vida.
O acidente, muito simples. Dois carros, um cruzamento.
Um senhor de 45 anos viu o stop.
Eu vinha a brincar com o rádio.
Sunday, May 22, 2011
Crónica ao acaso I
"Sair à noite sozinho é novo preto", disse-me alguém em quem confio muito.
A última grande moda.
Duvido sempre das modas. E resolvi ir comprovar por mim próprio.
Lisboa foi, como sempre, o palco. O sítio, conhecido como poucos.
O melhor casaco. Os sapatos certos.
Quilos de perfume.
Entrar sozinho foi já de si humilhante.
-"Boa noite, quantos são?".
-"Sou só eu".
O senhor que estava à porta, "simpático" como costumam ser todos, deixou-me entrar em grandes perguntas.
Tudo estava igual desde a última vez que lá tinha estado há alguns meses.
Pouca luz, puffs coloridos e sobrelotados.
Pequenos grupos de gente bem cuidada. Os senhores com as esposas na cama e senhoras com os esposos em Angola.
Um casal bem novinho aos beijos. Ela em pé, ele sentado (pudera).
Tudo normal.
Aproximo-me do balcão e peço o costume. Pela metade e com pouco gelo.
A rapariga que me atende, bonita como costumam ser as raparigas que atendem, tem um olhos do tamanho do mundo.
Morena, cabelo escuro, e uma dessas tatuagens japonesas no ombro.
-"É tudo?", pergunta.
-"Sim, vim sozinho".
-"Vens sair sozinho?"
-"Sim, é o novo preto. A última grande moda"
Ela sorriu, deu-me o meu troco e atendeu o gajo do lado.
Se com amigos era um desastre na arte do engate, sozinho sou ridículo.
Terminei o primeiro copo e pedi o segundo.
Ela sorriu de novo. Serviu-me e aproximou-se do meu ouvido.
"Se te aguentares depois deste, saio daqui a uma hora".
Eu nem queria acreditar. Um cliché enorme por certo, mas quem sou eu para discuti-lo.
Terminei o segundo copo e pus-me dali para fora.
Saí por onde tinha entrado e esperei por ela à porta a dançar a música vinda lá de dentro.
Até o DJ estava do meu lado. Van Morrison.
Well it´s a marvelous night for a moondance
with the stars up above me in your eyes
a fantabolous night to make romance...
Ela cumprimentou os senhores da porta, que me acenaram como que cumprimentando-me pelo feito.
Beijou-me como se os meus lábios fossem velhos conhecidos, e pediu-me que a levasse a casa.
Era pelo menos isso que eu esperava. Ela não apareceu.
Esperei horas e nada.
Telefonei a um amigo, e pedi-lhe que me fosse buscar.
Tuesday, May 3, 2011
03-05-2011
Hoje não a vi á janela.
Esperei horas escondido.
Saiu e entrou montes de gente.
Ela nada.
Sabia que este dia chegaria mais cedo ou mais tarde.
Que um dia pagaria por tudo.
Hoje não a vi à janela e sei que não a verei mais.
Custa-me muito claro. Não lhe disse tudo.
Nunca lhe disse tudo. Fui guardando muita coisa.
Palavras que ficaram para mais tarde.
Cartas. Piadas velhas.
Um poema foleiro num guardanapo:
Tu, que não és mais do que isso mesmo,
és para mim, tudo.
Braços, pernas, olhos e boca.
Um sonho, que é pesadelo ao mesmo tempo.
A morte mais doce de todas.
Um lenço bonito vermelho, que nem eu sei de onde vem.
O talão do nosso primeiro jantar.
Dois bilhetes de avião,
o Gets Next To You do Al Green,
sandálias,
uma Leica,
uma camisa de dormir,
um pack de Camel,
fotografias,
do Inverno, claro.
Intrigava-me o seu fascínio pelo Inverno.
O sorriso que trazia na cara quando chovia a potes.
Tenho também o seu guarda-chuva.
Nunca o usou. Odiava.
Hoje não a vi à janela e sei que foi de vez.
Que o meu tempo acabou.
Que nunca lhe devolverei o que é seu.
Que nunca saberá a verdade.
Que é, para mim, tudo.
Um pesadelo, que foi sonho ao mesmo tempo.
A morte mais doce de todas.
Thursday, April 14, 2011
14-04-2011
O que dizem eles não me interessa.
É contigo que eu quero conhecer o mundo.
Apertar a tua mão com a minha. Ter a tua cabeça no meu ombro.
Ouvir música lamechas. Partilhar pretzels e projectos futuros.
Opinar sobre os teus sapatos. Escrever-te bilhetes, como fazem os putos.
Desligar o telemóvel.
Mandar, contigo, o mundo à merda.
Sentar-me contigo no passeio. Contar-te as minhas histórias.
Fugir do teu pai pelas traseiras.
Encher-te de sushi enquanto não te puder levar ao Japão.
Escrever a nossa história.
Dois gatos, um mesmo telhado.
Fotografar as tuas caretas. As tuas pernas bonitas.
Encher-te a parede de polaroids.
Ouvir as tuas lamúrias.
As tuas amigas, que deixaram de o ser.
Tentar sempre ser melhor. Seduzir-te todos os dias.
Ter ciúmes. Muitos.
Mostrar-te os meus textos.
As tatuagens novas.
“Isso nunca mais pára?”
Sorrir com as tuas birras. Silenciá-las com um beijo.
Trazer-te nos meus braços.
O que eles dizem não me interessa.
E estejas tu onde estiveres, eu estarei por perto.
É contigo que eu quero conhecer o mundo.
És tu quem vale a pena.
Wednesday, April 6, 2011
03h00
Esta, é a minha carta para ti.
As minhas melhores palavras de hoje.
O meu melhor.
As minhas saudades.
As lembranças todas.
Do teu sorriso que me tirou das trevas. Da forma como enfrentas os problemas.
Como fazes deles coisas menores.
Foste tu quem me carregou nos braços.
Eu não fazia ideia do que era isso, de correr por prazer.
Ser feliz todos os dias.
Naquele canto escondido de Lisboa.
Aquele péssimo sofá, e a cama de corpo e meio, onde o meio não poderia ter o meu tamanho.
As minhas mãos perto das tuas, quentes como tudo.
Os meus pés, frios e com falta de espaço, com aquelas meias horríveis que tu tanto detestavas.
A torneira da cozinha, que chorava durante a noite.
Um mundo que desabava todos os dias, e tu ali.
À minha espera para jantar.
Dizias-me que o amor vence tudo. E eu ia acreditando.
Nos dias perfeitos.
Na felicidade que caiu do céu.
Escolhermos as minhas gravatas juntos, sem concordar numa que seja.
Rir muito. Fazer pouco dos outros.
Os "fantasmas" como lhes chamavas.
"O amor deles tem demasiadas regras".
A cor dos teus lábios.
O pingo de gelado no teu nariz, que eu limpava com o meu dedo.
A tua mão no bolso do meu casado.
Os filmes horríveis que escolhíamos à sorte. Os discos que me oferecias sem ouvir primeiro.
"Mas a capa era tão bonita!" .
As tuas posses ao espelho, com a minha camisola vestida.
E sobretudo sem ela.
O teu vestido azul escuro.
As tuas saudades. Os vizinhos que nos mandavam parar com o barulho.
A tua t-shirt dos Kiss.
Os teus olhos. Morria e matava pelos teus olhos.
O teu sorriso do outro lado da rua à espera que ficasse verde.
As minhas palavras de hoje são, como sempre, tuas.
E farás delas o que entenderes.
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