Thursday, September 22, 2011



Chama-se Beatriz.
Podia ser Rita, ou Mariana. Mas é Beatriz.
Passei meses à procura do seu nome.
E agora sei que se chama Beatriz.
Beatriz (que estranho nome Beatriz), é mais bonita do que provavelmente merece.
Tem o rosto e mãos pequenas, e uns saltos do tamanho do universo.
Fala e sorri muito.
Apanha o comboio, como todos nós.
Tem uma rotina, um emprego desses.
Beatriz (afinal chama-se Beatriz) fala-me muito de si.
Diz que sofreu muito.
Que o destino lhe trocou as voltas.
Beatriz, que podia ser Sara ou Madalena, tem palavras para tudo.
Julga-se vítima de uma armadilha.
Que de certa forma, sou eu o culpado.
Acha que sou um desastre.
Mas ri-se dos meus crimes.
E segura no meu braço.
Beatriz ( como assim Beatriz?), está mais errada do que provavelmente acredita.
Tem um olhos claros e pequenos, e um desplante do tamanho do universo.
Diz que sofreu muito.


Mas que tem um bonito nome.

Tuesday, September 6, 2011

Novembro.



Um dia, qualquer dia, vais ter a tua casa.
O sítio onde queres passar o resto da tua vida.
Um dia, qualquer dia, vais ter dinheiro para os teus cigarros.
Vais comprar boas gravatas. Bons sapatos.
Dar gorjetas.
Deixar o troco ao senhor do café.
Um dia, qualquer dia, vais ser promovido.
Compras um carro novo.
Fazes obras na garagem.
Convidas os amigos para jantar.
Falas-lhes de como a vida te corre bem.
Do emprego que gostariam de ter.
Da piscina que estará pronta no Verão.
Um dia, qualquer dia, vais poder comer onde te apetece.
Ver o fogo de artíficio da varanda.
Conhecer o mundo aos poucos.
Rio de Janeiro. Paris. Tóquio.
Vais ter uma liberdade muito tua.
O teu espaço.
Vais conhecer mulheres bonitas.
Dormir com elas. Comprar-lhes vestidos.
Teres os affairs que bem entenderes.
Beber bom vinho.
Comprar novos tacos de golf.
Um relógio pesado.
Alguém que te passe as camisas.
Sossego. Conforto. Silêncio.
Um dia, qualquer dia, vais ser o melhor da tua rua.
Admirado no supermercado.
“ - Diz que se deu muito bem por lá! ”
Vais ser convidado para tudo.
Padrinho de mundo e meio. O primeiro da mesa a ser servido.
Vais poder contratar pessoas. Despedi-las.
Levantar a voz no restaurante.
Dizer que não votas em ninguém.
Fazer pouco de quem teve menos sorte do que tu.
Terás as prestações todas pagas.
Dois meses de férias. Mais um aumento.
Um garagem com menos espaço.
Mais gravatas. Mais um relógio.
Alguém que te corte a relva.
Vais ter gente atrás de ti.
Gente para ti.
Um telefone em cada mão.
Vais trabalhar mais.
Visitar menos os teus pais.
Passar mais tempo no ginásio.
Querer parecer mais novo.
Vais ter muitos encontros.
Sara.
Sofia.
Cláudia.
Mariana.
A Rita, que te ajudava com a Matemática no Liceu.
A Filipa que agora é enfermeira.
Vais ter um escritório maior.
E achar o mundo demasiado fácil.
Que não te falta nada.
Até que um dia, talvez nesse mesmo dia, acordarás sozinho.
No teu espaço.
Com os teus dois telefones.
Sem a Sara. A Sofia. A Cláudia. A Mariana.
A Rita, que ensina Matemática num Liceu.
A Filipa que mudou de turno e de vida.
E vais querer gente ao pé de ti.
Gente por ti.
Vais cansar-te do silêncio.
Do sossego. Do conforto.
Dessa liberdade muito tua.
Vais perceber que te falta tudo.
E um dia, qualquer dia, vais perceber que ainda há tempo.
Que há sempre tempo.


E começas tudo de novo.