Tuesday, November 3, 2009

ES(S)E tempo já foi


Passaram três horas. Três horas apenas.
Estou á mesa com velhos colegas de faculdade, conversando sobre as pequenas mudanças na vida de cada um.
Eles estão. Eu estou calado desde que entrei.
Do lado de cá da mesa, escuto atentamente tudo aquilo que não dizem. O que lhes sai da boca nem quero saber.
Falam de gravatas, dos patrões, dos horários, da dureza das rotinas… Falam exactamente das mesmas coisas que escrevem nos blogues, no facebook ou na ponta do nariz. Pudera, não têm neste momento mais nada nas suas vidas.
Dizem sentir-se adultos, maduros, gente crescida. Cumprem ordens e tudo.
Tudo parece diferente.
Estão feios, cansados e há algo na voz deles que soa estranho.
Sou o mais pobre da mesa. O único que não usa relógio.
Hoje nem banho tomei e estou deserto que alguma das presentes me diga algo ao ouvido. Aposto que se vai agoniar e olhar-me de forma estranha o resto da noite.
Não foi nada disto que imaginei.
A gorda, que sempre foi gorda, está maior. Os óculos parecem maiores e a cor dos lábios menos discreta. É a mais feia da mesa.
A outra, que há um par de anos era gorda, que chegou dos céus mais magra, parece estar de novo…
Forte?
É a mais cansada da noite. Fala como um adulto, sobretudo sobre os assuntos de que nada entende.
Ele era um gajo porreiro. Um amigo.
Não pagava copos ( já quase ninguém o faz), mas era uma boa companhia. Lembro-me das manhãs que passávamos a pedir tostas e cafés só para ficarmos no bar mais tempo. Lembro-me que ao contrário dos que na sala, tinham fumo a sair das orelhas, o nosso saía por entre os lábios, naquele muro velho que nunca percebemos para que servia.
Mas ele está diferente. Todos eles estão.
Não param de rir desde que chegaram. Parecem mesmo felizes.
Esqueceram os sonhos antigos, as causas porque antigamente se batiam. Dizem que o grande objectivo é assinarem contratos para poderem comprar casa e um carro novo.
Dizem que os adultos são assim. Têm pullovers e responsabilidades.
Dizem entre si, eu continuo calado.
Finalmente o restaurante vai fechar.
Enquanto se abraçam e trocam votos de sorte, eu saio para vestir o casaco.
Da janela, vejo-os a trocar os números de emprego, para que possam falar de borla. Dizem que faz parte do “sistema”, que todos o fazem. Eles e os colegas.
Cruzo os braços com a força que tenho e vou até ao parque. Faz um frio do caralho hoje.
Dentro do carro, lembro o primeiro dia que os conheci. No último em que os espero ver.
Saio finalmente dali e vejo como a noite está bonita.
Eu, não quero saber das horas.

Sou o único que não usa relógio.